DIVA - O lirismo da loucura

28 de mai. de 2011


                     Tarde de outono...  eu caminho entre livros e mais livros, esquecendo do tempo, analisando títulos, capas, cheiro de livro novo, a batida da passagem de som do show de logo mais. Pessoas indo e vindo. Se esbarrando, pedindo desculpas, muitas nem se importando com o que vêem. E eu ali, igualmente absorta naquela atmosfera, sem me preocupar com o relógio (e nem sequer usando um).


                      Cenário comum de uma feira cultural. Entro em um stand lindo de poesia. Além de, claro, livros... camisetas, lixeiras de papelão com poesias pintadas, cadernos, peças de decoração, caixinhas.. foi a primeira vez que a vi. A voz andrógina e com aquele médio característico dos homossexuais mais afetados. As pessoas não ligam. Ela ou ele diz " Que prazer tê-los de volta esse ano". Meu primeiro sorriso sem me virar, ainda analisando um bloquinho fofo e papéis de pão com poesia de Cazuza. As pessoas não dão atenção. Me virei e "a" vi. Meu coração gelou. Sem sexo, vestida de forma feminina. Uma tentativa de executiva chique na roupa, muito magra e encurvada. Sem cabelos. Mas não eram raspados em uma atitude fashion, senti que eles caíram-lhe há pouco, ainda restavam alguns tufos em desalinho, poucos. E os drenos... fininhos, saindo do nariz e grudados à face com esparadrapo. Esperei ver uma expressão de sofrimento naquele rosto. Mas não...
                       Continuei caminhando e nos encontramos mais à frente. Num banco da praça, adolescentes saltitantes... e "ela" parada naquela tentativa de ter atenção. Vou passando do lado e ouço aquela figura  de aparência tão caricata quanto sofrida e aquela voz média exalando uma alegria que não condizia com aquela visão: 
                       _ Eu não queria ser mulher, eu não queria ter saúde, eu só queria ser rica!- e explode em uma gargalhada. Repete a frase para outro grupo. Passo por ela com um sorriso de canto na boca. Um sorriso que mesclava sensações no meu peito. Tristeza e compaixão por aquela pessoa tão debilitada. Simpatia pela evidente alegria de viver ( mesmo sendo nítido o quanto isso deve ser difícil). Encantamento pela simplicidade e a pureza daquele ser que estava tentando ignorar sua própria dor. Vergonha daqueles que a ignoravam e que tiveram o coração duro o suficiente para negar-lhe dois minutos do seu tempo e um sorriso dos seus lábios.
                       Olhei dentro daqueles olhos que destoavam da figura exangue à minha frente. Olhos vivazes e de uma pureza e bom humor incríveis. Olhei e sorri... meu sorriso de canto e cabeça baixa, virou uma amostra grátis de todos os meus dentes. Sorri para a frase célebre e lhe dei aquilo que estava buscando.
                       Não me custou nada. Ou melhor, custou um sorriso, um olhar, dois minutos de atenção, rir junto. Não doeu nada. Ao passar, ouvi sua voz novamente:
                       _ Você é linda, viu? Uma diva.....
                      Saí cheia de mim, colhendo aquele fruto imediato de plantar um sorriso. Saí contagiada por aquela energia. O humor melhorou na hora e o sorriso não saía mais da minha cara. A diva aqui acenou com a cabeça e sentiu o vento de outono insuflar sua saia, bater nos cabelos e a magia da troca de energia e pureza me fizeram realmente sentir uma diva.
                      Bobas daquelas adolescentes esnobes e de todas as pessoas da feira que ignoraram aquela criatura...  que não viram que o que ela pedia era grátis, indolor e fácil de dar...só eu ganhei o prêmio!!!!
                   

Dorme

23 de mai. de 2011

                    Dorme, nada disto é teu. Descansa, não vais chegar. Apenas pare e observe. Sinta como nada disso lhe pertence ou esteve contigo um dia. A qualidade do efêmero permeia tudo ao teu redor. Deixe de querer agarrar com tuas mãos e aprisionar como se fossem sólidos todos esses momentos. Pensa neles como pombos famintos. Vem, se alimentam e decolam. Respira, pois o ar também se vai.       
                                     Ora, deixa que a aflição vá embora... não a segure. Não é seguro. Assegure-se de estar neste caminho que amanhã já será outro. Acampa teu peito. Monta ali uma barraca e observa. Acostuma-te às passagens. Habitua-te ao passageiro. Cessa a caminhada. Apenas senta à beira do caminho. Joga o fardo dos ombros e descansa. Descansa e dorme... Deita-te se assim  o preferires... Dorme...


                                     

GUERREIRA DOS OLHOS VERDES

8 de mai. de 2011

                            Ah, minha guerreira! Falar de você e tão fácil e ao mesmo tempo tão difícil! Pelo único motivo de me ter dado a dádiva de nascer de você já me sinto lisonjeada. Não existe na minha vida alguém que se compare a você. Uma guerreira com tantas histórias.Quando penso em você como uma pessoa independente de mim, ainda assim me vem lágrimas aos olhos.
                            A menina simples, mais velha de quatro irmãs. Com o coração mais puro que eu conheço. A menina obediente que achava que trabalhando no colégio particular de freiras onde era bolsista, sua mãe que costurava para as freiras trabalharia menos. Desde cedo um espírito iluminado. Tenho mania de achar que você não é desse mundo. Estou para conhecer pessoa com tal senso de justiça e perdão, entre outros tantos sentimentos nobres. A garota com tantas e tantas dores que acinzetaram demais esses olhos verdes. A mulher linda que não sabia o quanto o era. A mulher apaixonada pelos seus três filhos todos da mesma maneira. 
                            A mulher de quem herdei meus múltiplos talentos. Que me ensinou a cantar AVE MARIA em latim como aprendeu no colégio e que chorou anos mais tarde ao me ouvir cantá-la no casamento do meu irmão. A mulher que cantava baixinho pra mim e que tinha uma voz linda sem ao menos saber disso. Que transbordava de emoção com qualquer tipo de música e arte.
                           A mulher que cuidava sozinha dos cabelos dos pimpolhos e que foi durante muito tempo uma cabeleireira e manicure das melhores. Passei anos sem saber o que era ir a um salão de beleza. Mamãe era a mestra dos meus e de outros cabelos. E tem altas teorias como testemunha ocular do meu cabelo mutante.
                           A mulher que nunca me deu um PORQUE SIM  como resposta para os meus questionamentos. Que sempre revelou a verdade sobe tudo, como nunca foi feito com ela .
                           A  mulher que perdeu tão cedo sua saúde. Que me fazia sofrer e chorar cada vez q ia parar em um hospital. A que me pesava o coração a cada cirurgia. Lembro de quantas noites eu saía correndo da minha cama e ia pro teu quarto só pra ver se você ainda continuava respirando.
                           Ah, minha guerreira! Tantos anos se passaram e agora, apesar de eu ser meio que uma cópia do meu pai, consigo ver em mim tantos traços teus! Reconheço você em tantas atitudes minhas, tantos pensamentos, trejeitos. Tenho sua voz, seu queixo, seu coração de manteiga, minha pele clara, minha onda no cabelo ( aquela na franja, do lado direito), esse meu jeito engraçado, a risada solta..
                          Ah, minha guerreira! Tua luta não tem sido fácil. A saúde te faz falta e nos assusta a cada nova fragilidade. Mas você continua comigo. Em sintonia, com os mesmos cuidados e preocupações de mãe que eu só vou entender quando for uma. Você é a pessoa que sabe me acalmar desde quando para isso só era necessário o seu seio. Você é aquela que sabe tudo que está acontecendo comigo de longe. Olhar para você tão frágil por fora, só me faz reconhecer o quanto é forte por dentro. 
                           Forte, mãe-leoa, mãe que luta e faz de tudo pelos filhos e agora pelo neto. Mesmo quando acha que não está fazendo. Sou resultado de tuas lutas. Do teu tempo dedicado a mim, à minha educação, ao meu crescimento. Sei que não existe no mundo amor maior que o de uma mãe. Ainda não sou mãe para sabê-lo. Só sei que meu amor de filha é grande demais. Sempre que puder, vou tentar  ser uma filha ainda melhor para que você continue tendo orgulho de mim. Se eu pudesse te desejar algo nesse dia, é que continue sendo tudo que você é e foi. 
                         Minha guerreira, no quesito mãe, você bateu todos os recordes. Não existe mãe melhor do que você no mundo inteiro! 
 

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